segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Janela, janelinha, sem porta nem campainha.


Seu olhar ansioso por detalhe precioso, seu olhar em prontidão deleitosa aguarda penetrar intimidades.

Um prédio, duas janelas.

Fragilizada:

Ele subiu por trás, rastejou até o Centro Social e levantou bem. Abriu as portas lustradas do salão soturno, passou os frisos das cortinas laterais e num passo de valsa solou até as últimas dependências, derramando, tonto , o frisante que trouxera.

Saiu à francesa o único convidado. As portas do nobre salão entreabertas. Ria-se.

Ela gostava de ver o tempo deprimido, deixando a tarde chorosa e as árvores rindo.

Ela árvore e outros arvorados espiando.

Quero te tirar a roupa como uma noiva põe seu vestido; te ver contorcendo com o olhar clínico de um ginecologista; te montar como cowboy disposto a ganhar o rodeio; te ver por baixo e babar de cima; apertar teu peito como quem tira nas tetas o leite da vaca; te lamber a cona como faminto; beber teu líquido como água milagrosa; decifrar suas cochas num braile pornográfico; puxar teus pentelhos como briga de mulher; te foder o cu com a veracidade e incompetência de um adolescente, batendo na bunda numa desritmada marcação de dementes, unhando como quem cura coceira. Silenciar com o pau na garganta, brincando de estupro, denegrindo com palavras que jogam nos travestis desafortunados. Marejar os olhos de porra neste sexo furtivo entre estranhos.

Suor pinga, gota desce gruta escancara, sentimento exala, cara desmascara, unha ameaça, alma transpassa, respiração desorienta, pele arrepia, pelos embaraçam virilhas trombam, pudores tombam, falas destoam, falo reina, enaltece a loucura, fragiliza a postura, e a boca babando.

Olha da sua janela que jazem vistas. Não outras melhores cores estão à sua frente. Nem melhores ares.

Muros apáticos arejados por um derrame de janelas que também olham para a dela.

Barradas persiânicas e acortinadas privacidades.

Tem uma tristeza aterrorizante. É uma tristeza acobertada por um apartamento próprio, uma mesa farta e mãe. Saudável escrevre sobre a tristeza que sente e mais aterrorizante a torna.

As nuvens que passam em frente ao seu céu concreto são ônibus azuis que chovem fumaças.

Seus dias são assim, tempestiados por estas nuvens. Os cães ladram e nós também.

Ela andava com sua sombrinha até com sol a pino: caso a assaltassem... o dia chegou e Ela não teve ânimo para levantar sua sombrinha de contra ao atentado. Ela nem sequer a abria. Estava seca; chovia.

O vento brando, mas potente, virava a folha grande da maior árvore que via da janela. Era tão dispendioso o movimento. O tempo era o do assentar de uma velha senhora despreocupada.

A virada da folha era o rolar de uma moça nos seus cabelos.

Que quantidade de estados de espírito tem o vento. Que temperamental! Ela lembrando de tufões e o vento alisava de uma maneira que ela nunca saberia, o corpo da moça, da bela folha verde.

Fala dentro de uma elegante edificação, de insinuante portaria, bom hálito corrente, elevador pantográfico, nervoso, botão de alarme atrás.

Fala pra ninguém que sente falta. Fechou os olhos e não sentiu diferença. Acendeu a vela e tirou a roupa. Soprou a vela e vestiu a roupa sem pressa e com velocidade. Viu-se pronta pra nada. Olhou para o espelho e a estava faltando. Abriu a porta do quarto com a intenção de tirar a roupa noutro.Andava a pé com vontade de cavalgar em colos.

Seu espelho quer lhe refletir.

Desde criança desenha casa com árvore ao lado. Ela nunca estava na porta da casa olhando a árvore.

Desde criança esperou que seus galhos frutosos entrassem pela casa de janelas abertas, mas a caneta verde acabou. Ela a gastara com um gramado extenso que não dava a lugar algum.

Foi crescendo e aprendeu desenhar cercas.

A vaca, como ela, não estava lá.

Depois vieram as montanhas e começou a desconfiar que a vaca estava atrás das montanhas; haviam manchas lá.

Eram urubus.

Sua perspectiva não dava vazão para eles irem. Ficarão chapados atrás das montanhas.

Sua urna foi feita da árvore do desenho. Podiam jogá-la da sua janela. Um pó ao vento. Um desenho ao vento.

Um vaso, flores secas e um copo d’água;

Um banco vazio e noutro Ela.

A água foi deixada, Ela foi largada. O banco, o outro, a lembrança apavorada.

Ela não bebeu a água, doou o banco, remoçou uns vinte anos, comprou flores e pôs no vaso. Saiu às ruas, tropeçou num tamborete, comprimentou uma cadeira e caiu de quatro num balanço. Balançou tanto que quebrou o vaso.

Flores já não podiam.

Ah, os bancos vazios do bonde! Ela assenta. É pesado o balanço.

Reza da janela: Ó mãe destilada das águas das nuvens do céu, ó água doce que derrama do azul profundo e cai no arco-íres despejando cores coloridas nos corações dos filhos e dos pais, que ficam iluminados de amor materno, amor estrelar, amor astronômico, amor amoroso, amor que eu gosto, amor que papai gosta, amor que mamãe gosta e filho também. Deus gosta e nós também. Não morramos dramaticamente, amém!

Ele voltou. Vejo da minha janela.

Madame, abra as cortinas fechadas. A luz virá contra minha chegada e iluminado entrarei. Não pareamos mais, e peitos de par em par andam bicando para mim.

E eu mando o quê? Ah se não fosse outra janela!

Depois da reza, ela irá gritar.

Psiu!

Quantos adjetivos tem um grito, quantos movimentos, o que se modifica com a sua potência, seu gemido, seu acompanhamento, sua resposta. Prazer; o esfalecer do seu eco. Tortura; a impotência da garganta. Alegria; seu passar. Amor; sua acústica. O grito que ensurdece, o ensurdecido grito que não alcança. O silêncio que grita, tão potente, tão curto. Como traduzi-lo com a mesma língua que trina? Como representa-lo em sua surdez? O tom perdido de um grito gravado, emoldurado. A meditação do grito. O grito.

Depois de rezar ela vai gritar da janela!

Começou a listar palavrões. Assim pode ter texto pra gritar. Vai dar pra ficar rouca.

Ele está passando lá em baixo. Ele pegou a pedra no meio do caminho e a jogou no Carlos Drummond de Andrade. Podem não lacrimejar os homens, mas como choram! Quando nasceu, um anjo gauche o entortou!

Ele voltou. Vê-se da janela!

Quando chega, o amor acaba com a vida dela para ir embora.

Num dia comum, leu: Vitorina acordou num belo dia de sol e dormiu numa bela noite de lua. Teve um pesadelo onde sofria com a insônia de outro belo dia de sol.

Sua vida agora é olhar da janela, rezar, gritar e ler coisas:

Assis cortou Helena numa machadada; o lápis foi encontrado sobre várias letras. A mulher o olhava com ares bucólicos e Ele lia Bukoviski.

Vida de olhar, orar, gritar e ler coisas.

Num dia comum, ela atravessando a rua, viu do outro lado uma mala com uma fortuna dentro. Viveu feliz para sempre porque ela a pegou.

João Batista Guimarães Alves.