terça-feira, 30 de novembro de 2010

AQUELE SENHOR.

Um redondo senhor, de passos calmos, olhar de Joaninha e botinhas também arredondadas, observava tudo ao seu círculo, enquanto caminhava por cima de pedrinhas, formiguinhas e outros seres pequenos e desavisados.

Francisco vinha caminhando do outro lado, em direção ao grande puá e o observava.

Ele era afeito, desde bebezinho, a pequenas coisinhas. Tudo que era reduzido, lhe chamava a atenção.

Estava olhando para aquele grande senhor e viu que ele não se preocupava com o mundo inferior às suas botinhas.

DÚVIDA! O que mais conta:

...aquele calmo senhor simpático e redondo, de macias mãos...

Francisco notou como elas se aconchegaram na carequinha de uma menina vestida de furinhos e rasgadinhos que passou;

...ou aquele bolão de passos lentos de tanto peso, que assassinava as formigas?

O pé do Francisco era XPP.

Ele teve a idéia de colocá-lo à frente das botinhas daquele senhor de bochechão e boné com um pompom em cima.

-Quero ver ele se preocupar com o meu pé!

O bolão pisou com o calcanhar da botinha.

Francisco se debulhou em chuva e trovoadas.

Imediatamente o rechonchudo senhor o pegou pelas conchas e o afogou na barriga.

Francisco ficou sem ar. Não podia nem gritar

O velhinho foi desafofando o abraço e o olhou profundamente, com o seu olhar de Joaninha.

Francisco viu duas bolinhas castanhas.

Francisco via um monte de bolinhas agora.

Bolinhas iguais a da Joaninha que passeou nos seus cabelos, gols, limãos, pueirinhas, gotinhas, rodinhas e um monte de bolarias mais.

A tempestade sumiu. Nada de trovões.

No seu lugar a vós do vovô. Ela soava como se aquelas suas botinhas arredondadas falassem.

- Tão pequeno!

O vovô com toda sua idade, atropelando um anjinho tão pequeno!

Não sei de onde ele tirou:

dez pedrinhas.

As colocou, cinco em cada mão do Francisco.

- Uma para cada dedinho.

O Fura-bolo pode emprestar a sua para o Mata-piolho,

o Mindinho para o Seu Vizinho e o Polegar.

Cuidado, disse o fofo vovô! Cuidado para não acertar os bichinhos. Vovô às vezes, atropela uns pequenininhos porque ele anda com as vistas baças.

Francisco exclamou:

-O senhor olhava para tudo como num binóculo, parecia que nada o escapava!

-Apesar dos meus olhos esbugalhados, o vovô apenas lembrava!

Quando olhava para um edifício, via casinhas;

quando olhava o piche pegajoso, via pedrinhas;

quando olhava um muro, via plantinhas;

quando olhava os carros, via cavalinhos.

Agora, quando olho pra você, te vejo pouco, mas o enxergo bom.

Francisco sorriu.

E sorrindo retornou para sua casa.

Com as menores caixinhas que encontrasse, providenciaria a merecida despedida das formiguinhas que passaram pela vida daquele senhor e de tantos vovôs.

Para Francisco, que vê nas coisinhas uma construção.

O Homem


Aparentado, passou reto pelo espelho.

Já conhecia seus traços, as novas rugas.

Não se preocupou com os desalinhos,

Não sentia mais a rotidão das estréias,

o entusiasmo nos aplausos,

o preenchimento das apresentações.

Passou pela bengala e não se esforçou em pega-la.

Podia quedar-se sem nenhum instrumento, sem pinturas.

Sua caricatura estava encardida.

Procurava sombras dentro do seu narcíseo holofote.

Uma lâmpada aqui e outra ali.

Quem está quer me ver?

As nuances não se asseguravam mais das repetidas e repetitivas histórias.

Senhoras e Senhores, bem vindos!

Estou aqui para

O estrelato não podia mais ser sintecado.

Apareciam os pregos impossíveis de novo lustre.

Sua identidade suspensa por uma respiração e uma pontuação.

A platéia exótica roubava sua cena.

Perdeu o protagonista, perdeu direção.

-Anda palhaço!

Deu-se com o persistente “anda”.

Tinha o furo nas botas

Dos seus furos retumbava a inevitável ordem:

-Anda palhaço!

Já visitara essa vós. Familiar.

Suas alavancadas,

Sua glote.

Já vibrei com suas cordas,

já perscrutei suas vaidades,

suas leviandades,

as roupas trocadas.

-Um instante!

-Senhoras e Senhores! Ouçam os tambores!

Organizem-se em três filas:

Será feita a restituição do ingresso a suas vidas.

Nossos acessos estão congestionados,

Andem, andemos palhaços!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Viva Eros!


A idéia deste vídeo é dar outra utilidade a um objeto;
objeto escolhido: um crachá.
por João.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Janela, janelinha, sem porta nem campainha.


Seu olhar ansioso por detalhe precioso, seu olhar em prontidão deleitosa aguarda penetrar intimidades.

Um prédio, duas janelas.

Fragilizada:

Ele subiu por trás, rastejou até o Centro Social e levantou bem. Abriu as portas lustradas do salão soturno, passou os frisos das cortinas laterais e num passo de valsa solou até as últimas dependências, derramando, tonto , o frisante que trouxera.

Saiu à francesa o único convidado. As portas do nobre salão entreabertas. Ria-se.

Ela gostava de ver o tempo deprimido, deixando a tarde chorosa e as árvores rindo.

Ela árvore e outros arvorados espiando.

Quero te tirar a roupa como uma noiva põe seu vestido; te ver contorcendo com o olhar clínico de um ginecologista; te montar como cowboy disposto a ganhar o rodeio; te ver por baixo e babar de cima; apertar teu peito como quem tira nas tetas o leite da vaca; te lamber a cona como faminto; beber teu líquido como água milagrosa; decifrar suas cochas num braile pornográfico; puxar teus pentelhos como briga de mulher; te foder o cu com a veracidade e incompetência de um adolescente, batendo na bunda numa desritmada marcação de dementes, unhando como quem cura coceira. Silenciar com o pau na garganta, brincando de estupro, denegrindo com palavras que jogam nos travestis desafortunados. Marejar os olhos de porra neste sexo furtivo entre estranhos.

Suor pinga, gota desce gruta escancara, sentimento exala, cara desmascara, unha ameaça, alma transpassa, respiração desorienta, pele arrepia, pelos embaraçam virilhas trombam, pudores tombam, falas destoam, falo reina, enaltece a loucura, fragiliza a postura, e a boca babando.

Olha da sua janela que jazem vistas. Não outras melhores cores estão à sua frente. Nem melhores ares.

Muros apáticos arejados por um derrame de janelas que também olham para a dela.

Barradas persiânicas e acortinadas privacidades.

Tem uma tristeza aterrorizante. É uma tristeza acobertada por um apartamento próprio, uma mesa farta e mãe. Saudável escrevre sobre a tristeza que sente e mais aterrorizante a torna.

As nuvens que passam em frente ao seu céu concreto são ônibus azuis que chovem fumaças.

Seus dias são assim, tempestiados por estas nuvens. Os cães ladram e nós também.

Ela andava com sua sombrinha até com sol a pino: caso a assaltassem... o dia chegou e Ela não teve ânimo para levantar sua sombrinha de contra ao atentado. Ela nem sequer a abria. Estava seca; chovia.

O vento brando, mas potente, virava a folha grande da maior árvore que via da janela. Era tão dispendioso o movimento. O tempo era o do assentar de uma velha senhora despreocupada.

A virada da folha era o rolar de uma moça nos seus cabelos.

Que quantidade de estados de espírito tem o vento. Que temperamental! Ela lembrando de tufões e o vento alisava de uma maneira que ela nunca saberia, o corpo da moça, da bela folha verde.

Fala dentro de uma elegante edificação, de insinuante portaria, bom hálito corrente, elevador pantográfico, nervoso, botão de alarme atrás.

Fala pra ninguém que sente falta. Fechou os olhos e não sentiu diferença. Acendeu a vela e tirou a roupa. Soprou a vela e vestiu a roupa sem pressa e com velocidade. Viu-se pronta pra nada. Olhou para o espelho e a estava faltando. Abriu a porta do quarto com a intenção de tirar a roupa noutro.Andava a pé com vontade de cavalgar em colos.

Seu espelho quer lhe refletir.

Desde criança desenha casa com árvore ao lado. Ela nunca estava na porta da casa olhando a árvore.

Desde criança esperou que seus galhos frutosos entrassem pela casa de janelas abertas, mas a caneta verde acabou. Ela a gastara com um gramado extenso que não dava a lugar algum.

Foi crescendo e aprendeu desenhar cercas.

A vaca, como ela, não estava lá.

Depois vieram as montanhas e começou a desconfiar que a vaca estava atrás das montanhas; haviam manchas lá.

Eram urubus.

Sua perspectiva não dava vazão para eles irem. Ficarão chapados atrás das montanhas.

Sua urna foi feita da árvore do desenho. Podiam jogá-la da sua janela. Um pó ao vento. Um desenho ao vento.

Um vaso, flores secas e um copo d’água;

Um banco vazio e noutro Ela.

A água foi deixada, Ela foi largada. O banco, o outro, a lembrança apavorada.

Ela não bebeu a água, doou o banco, remoçou uns vinte anos, comprou flores e pôs no vaso. Saiu às ruas, tropeçou num tamborete, comprimentou uma cadeira e caiu de quatro num balanço. Balançou tanto que quebrou o vaso.

Flores já não podiam.

Ah, os bancos vazios do bonde! Ela assenta. É pesado o balanço.

Reza da janela: Ó mãe destilada das águas das nuvens do céu, ó água doce que derrama do azul profundo e cai no arco-íres despejando cores coloridas nos corações dos filhos e dos pais, que ficam iluminados de amor materno, amor estrelar, amor astronômico, amor amoroso, amor que eu gosto, amor que papai gosta, amor que mamãe gosta e filho também. Deus gosta e nós também. Não morramos dramaticamente, amém!

Ele voltou. Vejo da minha janela.

Madame, abra as cortinas fechadas. A luz virá contra minha chegada e iluminado entrarei. Não pareamos mais, e peitos de par em par andam bicando para mim.

E eu mando o quê? Ah se não fosse outra janela!

Depois da reza, ela irá gritar.

Psiu!

Quantos adjetivos tem um grito, quantos movimentos, o que se modifica com a sua potência, seu gemido, seu acompanhamento, sua resposta. Prazer; o esfalecer do seu eco. Tortura; a impotência da garganta. Alegria; seu passar. Amor; sua acústica. O grito que ensurdece, o ensurdecido grito que não alcança. O silêncio que grita, tão potente, tão curto. Como traduzi-lo com a mesma língua que trina? Como representa-lo em sua surdez? O tom perdido de um grito gravado, emoldurado. A meditação do grito. O grito.

Depois de rezar ela vai gritar da janela!

Começou a listar palavrões. Assim pode ter texto pra gritar. Vai dar pra ficar rouca.

Ele está passando lá em baixo. Ele pegou a pedra no meio do caminho e a jogou no Carlos Drummond de Andrade. Podem não lacrimejar os homens, mas como choram! Quando nasceu, um anjo gauche o entortou!

Ele voltou. Vê-se da janela!

Quando chega, o amor acaba com a vida dela para ir embora.

Num dia comum, leu: Vitorina acordou num belo dia de sol e dormiu numa bela noite de lua. Teve um pesadelo onde sofria com a insônia de outro belo dia de sol.

Sua vida agora é olhar da janela, rezar, gritar e ler coisas:

Assis cortou Helena numa machadada; o lápis foi encontrado sobre várias letras. A mulher o olhava com ares bucólicos e Ele lia Bukoviski.

Vida de olhar, orar, gritar e ler coisas.

Num dia comum, ela atravessando a rua, viu do outro lado uma mala com uma fortuna dentro. Viveu feliz para sempre porque ela a pegou.

João Batista Guimarães Alves.

quarta-feira, 19 de maio de 2010